terça-feira

Pietá

Pedra virgem que descansas ao largo do riacho que te moldou, que te adoptou até à eternidade, vagueias com as correntes que o riacho te propõe, usas a cor que ele te impôs e o cheiro que te oferece. Pousas nua e fria, com marcas de mágoa e desistência, procuras o poiso seguro e a chave para a existência.
Sustentas a ambição numa marca restrita, queres muito mais mas que ninguém te acredita.
Esperas nas horas, nos anos e segundos, vês passar os milénios e o transformar dos mil mundos, decoras as constelações e o significados dos signos, ultrapassas o tempo dos dinossauros e outros pequenos.

Depois alguém passa e te trespassa, agarra te como troféu e exibe-te como taça, arranca te de casa, do calor e do aconchego materno, faz te esquecer do amor que até agora era eterno.
Molda-te numa escultura de uma mulher polida, com seios de leite e ventre com vida, tornas-te mãe dura numa arte sem escolha, devastas a memória da pedra e da folha.
Mais tarde, encontras -te com forma esculpida, por umas mãos rijas e gastas do tempo e da vida, tornas te obra de um qualquer génio autor, esqueces o teu caminho e surpreendes a dor.

De tudo o que se torna épico é porque alguém o faça, numa vida de pedra que se tornou forma de graça, vives o final como o momento de glória, se ontem eras pedra hoje és história.